Tenho envidado esforços nos últimos anos por adquirir algumas obras (livros, folhetos, revistas, etc.), em Língua Portuguesa e Espanhola, sobre Bibliotecas, Biblioteconomia e afins, anteriores a 1950. Ditosamente, albergo já uma colecção um “cachito” razoável de obras que obedecem a esses parâmetros, e faço votos para que esta se amplie consideravelmente nos anos subsequentes. Para além da informação, conhecimento e proveito académico que essas obras facultam, a distância no tempo torna a sua leitura porventura ainda mais interessante, por vezes bastante deliciosa. Inicio esta série com um excerto de um livro, publicado em 1942, por sinal um dos menos antigos da minha colecção, que adquiri no emblemático alfarrabista alfacinha “Barateira”, sito no Chiado, em meados de 2003 ( por 1,75 €). O livro intitula-se “Biblioteca Municipal de Mafra : sua criação e organização” , escrito pelo 1º bibliotecário e organizador da mesma Guilherme José Ferreira Assunção, e editado pela Câmara Municipal de Mafra em 1942. O Palácio Nacional de Mafra, fundado em 1717, compõe-se de uma magnífica Biblioteca real. Esta funcionou desde a sua criação como a única biblioteca do concelho de Mafra, até que em 1940 foi deliberado pela autarquia a criação de uma Biblioteca Municipal. Esta decisão foi motivada por diversas razões: o acervo da Biblioteca do Palácio era sobretudo composta por obras muito antigas, as consideráveis restrições de acesso a esse acervo, o horário ser desajustado à generalidade das populações locais, e o elevado tempo dispendido para o acesso à biblioteca real, pela sua localização num extremo do Palácio. Guilherme Assunção foi encarregue em 1941 da organização da nova Biblioteca Municipal, cujo fundo documental inicial era composto sobretudo por doações de munícipes locais, e que até 1982 funcionou numa ala do Palácio. Guilherme Assunção realizou uma organização exemplar, muito metódica e rigorosa da nova Biblioteca, encarregando-se de a descrever com minúcia neste livro: aborda o problema da escolha do local, do mobiliário a utilizar, da constituição do acerco bibliográfico (e lista de doadores), do processo de tratamento técnico dessas obras, de iniciativas de animação (exposições, conferências) e até publicitação da biblioteca. O bibliotecário também traça ainda algumas linhas sobre o empréstimo domiciliário, ao qual se opõe veemente: “Eu penso que a leitura domiciliária não deve existir, porque se criam hábitos prejudicais e contraproducentes. Prejudicais, porque só na biblioteca se corrigem os defeitos de uma leitura descuidada, com a vantagem de possuir um bibliotecário que, para além de orientador, fornece os elementos necessários para o esclarecimento, ou investigação, duma dúvida. É contraproducente, porque causa uma progressiva deterioração das espécies, estrago que a simples vista não impressiona, mas que, pouco a pouco, se avoluma e que mais tarde transforma o valor do livro. O livro, fora da biblioteca, está sujeito ao pouco asseio e ao desleixo de certos requisitantes, com a agravante de não estar na biblioteca quando solicitado, o que provoca uma impressão desagradável. Por maior que seja a verificação feita ao receber o livro, ao fazer a sua restituição, fará por encobrir, procurando um funcionário menos atento, ou um momento de maior aglomeração na afluência de leitores. Assente nestes princípios, não cuidei dos serviços de leitura domiciliária.”
Este texto deve ser sempre contextualizado no tempo em que foi escrito, por um bibliotecário que acima de tudo evidenciava uma grande dedicação pelos livros e bibliotecas. |